Vandalismo, Iconoclastia ou Luta Pelo Direito à Memória? O Caso da Estatuária dos Bandeirantes em São Paulo
Fogo na Estátua de Borba Gato pelo movimento Revolução Periférica. São Paulo-SP, 2021 © Reprodução Instagram Revolução Periférica

Fogo na Estátua de Borba Gato pelo movimento Revolução Periférica, São Paulo, 2021.

Diferente de Bibiana, que falava em ser professora, eu gostava mesmo era da roça, da cozinha, de fazer azeite e de despolpar o buriti. Não me atraía a matemática, muito menos as letras de dona Lourdes. Não me interessava por suas aulas que contava a história do Brasil, em que falava da mistura de índios, negros e brancos, de como éramos felizes, de como nosso país era abençoado. Não aprendi uma linha do Hino Nacional, não me serviria, porque eu mesma não posso cantar. Muitas crianças também não aprenderam, pude perceber, estavam com a cabeça na comida ou na diversão que estavam perdendo na beira do rio, para ouvir aquelas histórias fantasiosas e enfadonhas sobre os heróis bandeirantes, depois os militares, as heranças dos portugueses e outros assuntos que não nos diziam muita coisa1.

O texto em epígrafe, extraído do best-seller Torto Arado, que narra a história de duas irmãs remanescentes de quilombo2 (Bibiana e Belonísia), revela-nos um aspecto interessante acerca da imagem que se tem de determinados personagens históricos. Essa imagem foi construída por uma história oficial3 que encontrou, nas escolas brasileiras, um campo fértil para sua divulgação, através, sobretudo, das aulas de história do Brasil. Ele se refere a dois personagens de nossa história que foram alçados à categoria de “heróis nacionais”: os bandeirantes, exaltados como desbravadores do território nacional e os militares, em reconhecimento aos seus feitos gloriosos em guerras e batalhas. Hoje, com as novas pesquisas, o papel do suposto heroísmo dessas figuras tem sido bastante questionado. O texto também sinaliza uma das construções mais fortes da historiografia oficial, qual seja, o mito formador das três raças e a suposta harmonia entre elas, negando a existência de conflitos étnicos, das desigualdades sociais e do racismo estrutural no Brasil.

Sabemos que, durante muito tempo, o ensino de História na escola brasileira esteve pautado por uma narrativa tradicional, em que havia o predomínio de determinados sujeitos, geralmente ligados aos setores dominantes da sociedade. São os chamados “vultos da pátria” ou “heróis nacionais”, na sua grande maioria constituída por homens brancos. Essa narrativa produzida pela historiografia oficial encontrou também, no espaço público, um local privilegiado para sua reprodução, evidenciado na construção de estátuas e monumentos alusivos a esses personagens.

Hoje, esses monumentos também têm sido bastante questionados por outros segmentos sociais, que contestam sua permanência no espaço público e fazem as mais diferentes manifestações iconoclastas, que vão desde a pichação, passando por intervenções e performances artísticas, até a sua derrubada ou remoção para outros locais.

Esse artigo pretende analisar como essa ação iconoclasta tem se dado nos grandes centros urbanos do Brasil, em relação a estátuas e monumentos que evocam personagens históricos vinculados a passados sensíveis de nossa história. Nesse contexto, os bandeirantes têm sido o alvo predileto dessa contestação, por estarem ligados ao processo de escravização e genocídio de populações indígenas durante o período da colonização.

Inicialmente, faremos uma breve digressão teórica sobre o próprio conceito de monumento histórico e a mudança posterior de paradigma desse artefato cultural, que se deu com as transformações políticas após a Segunda Guerra Mundial. Veremos, também, como se construiu a imagem heroica desses personagens pela historiografia oficial e a edificação de monumentos que evocam essa memória, sobretudo na cidade de São Paulo, considerada a “terra dos bandeirantes”, bem como as manifestações de iconoclastia em relação a dois importantes grupos escultóricos: o Monumento às Bandeiras e a Estátua de Borba Gato. Por fim, algumas questões são propostas sobre o que fazer com os monumentos e estátuas que povoam nossas praças quando eles se referem a memórias traumáticas e são objeto de contestação por parte de segmentos sociais.

Monumentos Históricos: o culto cívico aos heróis nacionais

Sempre existiu, desde a mais remota Antiguidade, o interesse em edificar monumentos por parte das diferentes sociedades. No entanto, o culto e o sentido de preservação de monumentos históricos estão relacionados à construção do Estado-nação, longo processo histórico que se inicia por volta do século XV, passa pela Revolução Francesa, já no século XVIII e se consolida, sobretudo, a partir do século XIX, conhecida como a “era dos nacionalismos”4.

Etimologicamente, a palavra “monumento” é de origem latina e provém do verbo monere, que significa lembrar, recordar, perpetuar uma determinada memória. Assim, seguindo a clássica definição do historiador da arte Aloïs Rieghl, monumento “é uma obra criada pela mão do homem e edificada com o propósito preciso de conservar presente e viva, na consciência de gerações futuras, a lembrança de uma ação ou destino”5. Para ele, os monumentos históricos são quase sempre “monumentos intencionais”, pois objetivam promover uma homenagem a algum fato ou personagem histórico.

Segundo a historiadora Maria Eurydice Ribeiro, a palavra monumento “significa tudo que busca perpetuar personagens ou acontecimentos associando-se ainda, ao tempo e à memória, em particular à memória social, e à ideia de marco delimitador de uma ordem temporal e espacial”6.

A proliferação desses monumentos se deu, em grande parte do mundo ocidental, a partir da segunda metade do século XIX, momento de afirmação do Estado-nação. Tratava-se de eleger alguns fatos e personagens históricos dignos de registro à posteridade, cujo objetivo básico era promover uma “pedagogia cívica da nação”. Maurice Agulhon (1988) chegou a cunhar a expressão “estatuamania” ao descrever a obsessão dos franceses com o desenvolvimento de uma escultura cívica a serviço do fortalecimento do estado nacional7.

O século XIX na França foi marcado pela construção de inúmeras estátuas, cujo objetivo maior era o fortalecimento da identidade através do culto cívico aos heróis da nacionalidade. Tal medida também foi seguida por outros países ocidentais, a exemplo do Brasil que teve, em comemoração aos quarenta anos de sua independência (1862), a inauguração de nosso primeiro monumento histórico. Estamos nos referindo à estátua equestre do imperador D. Pedro I, no Rio de Janeiro, então capital do Império (Figura 1).

Estátua equestre de D. Pedro I (1862) © Carlos Luis M C da Cruz

Figura 1. Estátua equestre de D. Pedro I (1862).

Praça Tiradentes, Rio de Janeiro-RJ.

Neste sentido, a edificação de monumentos cívicos e históricos foi uma constante no século XIX, na medida em que a construção da identidade nacional exigia a evocação do passado histórico, pautado nos feitos e fatos protagonizados pelos “heróis”. Pretendia-se, pois, através da edificação de estátuas e monumentos, construir a “memória da nação”, onde eram selecionados os personagens e fatos dignos de registro à posteridade, que serviriam de instrumento de legitimação ao estado e ao desenvolvimento de uma consciência cívico-patriótica da população8.

Os monumentos em praça pública nos permitem fazer uma leitura da história do país. De modo geral, eles evocam e consagram em “mármore”, “granito” ou “pedra e bronze” diferentes tipos de personagens, contribuindo, assim, para a construção de um panteão cívico do país. No altar da Pátria, os “heróis”, também chamados de “vultos nacionais” ou “filhos ilustres da nação”, são representados e exaltados em bustos, hermas, estátuas e monumentos. Segundo Ribeiro, “apenas reis, imperadores ou personagens de grande destaque histórico são apresentados em estátuas equestres”9. São os homens de ação que costumam receber esse tipo de homenagem em escultura pública. Já os homens de razão, representados por escritores, artistas e intelectuais, são mostrados em estátuas sedestres. Há uma crítica generalizada de grande parte dos historiadores acerca dos monumentos históricos que povoam nossas praças, parques e jardins:

Na história que estamos acostumados a ouvir há sempre grandes homens: heróis, mártires, patriarcas e patronos que são glorificados em pedra e bronze, como no Monumento à Independência do Brasil. Austeros, solitários, brancos e bem-nascidos, eles acabam encarnando toda a história, como se ela pudesse ser feita apenas por poucos indivíduos10.

Por outro lado, tendemos a concordar com o historiador José Murilo de Carvalho que, ao analisar a constituição do imaginário na busca de legitimação do regime republicano no país, fez a seguinte consideração:

Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regime político que não promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico11.

Sabemos também que os monumentos históricos que povoam nossas praças, parques, ruas e jardins são datados, ou seja, eles foram criados por iniciativa do poder público e tiveram, muitas vezes, o apoio de lideranças locais e foram inaugurados em solenidades cívicas. Alguns deles sofreram deslocamento e, até mesmo, foram removidos e alvo de demolição. Nos últimos anos, esses monumentos têm sido bastante questionados e essa constestação faz parte do processo de descolonização que se pretende adotar no âmbito das políticas públicas de memória e de preservação do patrimônio histórico.

O Antimonumento: passados sensíveis e memórias traumáticas

Com o fim da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) e a constatação do genocídio praticado pelo nazi-fascismo, surgiu a ideia de “antimonumento”, para se contrapor aos monumentos celebrativos que exaltavam fatos, personagens e efemérides históricas. Por sua vez, a historiografia mais recente tem considerado que determinados fatos históricos ocorridos na história da civilização ocidental hoje são conceituados e abordados como “passados sensíveis” e, até mesmo, representam “memórias traumáticas”, sobretudo para aqueles que sobreviveram a práticas de genocídio. O exemplo mais contundente de um passado sensível e que, ainda hoje, provoca o testemunho de memórias traumáticas, é o Holocausto, considerado um verdadeiro crime contra a humanidade.

Assim, o genocídio perpetrado contra os judeus e outras minorias sociais durante a Segunda Guerra Mundial provocou uma mudança de paradigma na construção de monumentos e na escultura pública presente nas cidades. Surgiu o que se convencionou chamar de “antimonumento”. O monumento celebrativo à figura ao herói nacional ou a alguma efeméride histórica foi substituído por uma escultura que se pretende instrumento não mais de glória ou exaltação de personalidades, mas à denúncia a alguma arbitrariedade cometida pelo Estado a determinados segmentos da sociedade.

O antimonumento serve como instrumento de contestação à violência do Estado, perpetrada durante os regimes de exceção e em genocídios. Quem melhor explicita a noção de antimonumento é o teórico e crítico literário Márcio Seligmann-Silva. Diz ele:

Desde a Antiguidade, a tradição de construção de monumentos esteve ligada mais à comemoração (de vitórias bélicas) do que à ideia de advertir. Foi depois da Segunda Guerra Mundial e, sobretudo no contexto do processo de memorialização de Auschwitz, que se desenvolveu uma estética do que se tornou conhecido como antimonumento, que, de certa maneira, funde a tradição do monumento com a da comemoração fúnebre. Desse modo, o sentido heroico do monumento é totalmente modificado e deslocado para um local de lembrança (na chave da admoestação) da violência e de homenagem aos mortos. Os antimonumentos, na medida em que se voltam aos mortos, injetam uma nova visão da história na cena da comemoração pública e, ao mesmo tempo, restituem práticas antiquíssimas de comemoração e rituais de culto aos mortos12.

Houve, também, segundo ele, uma mudança na representação dos monumentos e uma nova postura estética na apresentação da arte pública nos centros urbanos. Abandonou-se o uso de elementos resistentes e nobres (mármore, granito, bronze e ferro) e optou-se por materiais mais leves e rituais mais efêmeros. O antimonumento aposta muito mais na força das palavras e dos gestos do que no poder das representações bélicas, tão comuns nos monumentos celebrativos (estátuas equestres com generais sobre seus cavalos, espadas, tanques e canhões) ou triunfais (arcos do triunfo, altares da pátria, obeliscos, etc.).

Em síntese, o antimonumento corresponde à narrativa visual de passados sensíveis e memórias traumáticas13. Além de serem “lugares de memória”, na célebre acepção de Pierre Nora14, eles expressam o desejo de recordar de forma ativa o passado doloroso que evocam.

Patrimônios Difíceis e Monumentos Contestados

Os conflitos mundiais, o genocídio de populações e, principalmente, o Holocausto, representado pelo extermínio de mais de 5 milhões de judeus, levou a uma outra mudança no próprio conceito de Patrimônio Cultural. A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) passou a adotar a expressão “patrimônios sombrios, marginais ou da dor” ao eleger determinados sítios históricos com o objetivo de denunciar as violações aos direitos humanos e os genocídios praticados na História contra as minorias étnicas e determinados grupos sociais. Segundo Meneguello15,

Os patrimônios difíceis remetem a locais de intricada fruição e estão associados ao sofrimento, à exceção, ao encarceramento, à segregação, à punição e à morte. Tais patrimônios podem reunir a função de memorial ou de local de peregrinação com a finalidade de rememoração coletiva e do reconhecimento de direitos e de reparação.

Exemplos de patrimônios históricos difíceis e que foram reconhecidos como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, desde a década de 1970, são a Ilha de Goré, no Senegal, considerado o maior centro de tráfico de negros escravizados; os campos de concentração de Auschwist-Birkenau, na Polônia, em alusão a um dos principais lugares de memória do Holocausto judeu; o Memorial da Paz, em Hiroshima, no Japão, que relembra o lançamento da bomba atômica nessa cidade e a Robben Island, local onde o líder sul-africano Nelson Mandella permaneceu preso por sua luta contra o apartheid. Esses lugares de memória traumática também são conhecidos como “sítios de consciência” (sites of conscience) e entrelaçam uma nova concepção de patrimônio cultural com a perspectiva da defesa dos direitos humanos.

No Brasil, podemos elencar como patrimônio difícil o Cais do Valongo (Figura 2), localizado na cidade do Rio de Janeiro e que, em 2017, teve o reconhecimento como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO. Esse sítio histórico foi um dos principais portos de desembarque dos negros escravizados que chegavam em território brasileiro, durante a vigência do regime de escravidão no país16:

Foram mais de 12 milhões de africanos escravizados transportados da África para a América em navios negreiros ao longo de 300 anos. Uma história criminosa que fundou o mundo que conhecemos hoje. A sociedade moderna nasceu do tráfico transatlântico, e atualmente esse infame comércio é reconhecido como a maior tragédia da humanidade (...)

A história brasileira está intimamente ligada ao tráfico transatlântico. O Brasil foi o território americano que mais recebeu africanos escravizados em toda a história – de acordo com os dados da Slave Voyages, aproximadamente 4,8 milhões de homens e mulheres desembarcaram nos portos brasileiros –, e muitas das fortunas do país foram criadas a partir desse comércio de gente17.

Cais do Valongo, Pequena África, Rio de Janeiro.

Figura 2. Cais do Valongo, Pequena África, Rio de Janeiro.

Fonte: asdistancias.com

Acrescente-se a isso o fato de que o Brasil foi o último país do mundo a abolir o regime de trabalho escravo em 1888 e a libertação dos escravizados não foi acompanhada de leis protetivas de inserção do negro na sociedade brasileira. A herança nefasta do trabalho escravo por mais de três séculos deixou marcas indeléveis na formação socioeconômica do país, gerando uma sociedade de profundas desigualdades e de forte preconceito racial.

Outros exemplos de patrimônios difíceis ou sombrios estão relacionados aos regimes de exceção promovidos pelo próprio estado. Na Argentina, no Chile e no Uruguai, como forma de denunciar a violação aos direitos humanos, que provocou o desparecimento e a morte de perseguidos por esses regimes ditatoriais, temos presenciado a constituição de memoriais e de museus da memória e dos direitos humanos.

No Brasil, podemos citar alguns exemplos de patrimonialização da dor, cujo objetivo foi promover o tombamento de alguns edifícios que serviram como prisões e centros de tortura aos presos políticos18. Um deles é o Memorial da Resistência, na cidade de São Paulo, antigo prédio do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS-SP) e que se transformou, desde 2008, em um espaço musealizado e que promove ações educativas, visando levar ao conhecimento da população esse passado sombrio de nossa história. Com os lemas Lembrar para não esquecer! e Para que nunca mais aconteça!, o Memorial da Resistência realiza, além de mostras e exposições, cursos, palestras e oficinas pedagógicas direcionadas sobretudo aos professores da educação básica, com o objetivo de que levem para a sala de aula o conhecimento de nosso passado traumático.

Para além de se constituir um direito ao passado, a criação desses novos lugares de memória contém uma dimensão cívica e pedagógica, ou seja, em meio ao negacionismo histórico que existe em segmentos do governo e da sociedade, sobretudo em relação à ditadura militar, eles mostram a necessidade de sempre se lembrar, para que as novas gerações não se esqueçam e não se repitam mais as atrocidades que denunciam.

Por sua vez, os chamados “Monumentos Contestados, Incômodos ou Desconfortáveis” são aqueles símbolos urbanos, como estátuas, nomes de ruas, praças ou outros elementos comemorativos e de homenagem no espaço público que geram sentimentos de segregação, injustiça e ódio em segmentos sociais cujos direitos têm sido sistematicamente violados, no decorrer da história. Esses monumentos, embora erigidos no passado, ainda reverberam, no presente, uma narrativa, pautada no colonialismo, que reforça o sentimento de não pertencimento por parte desses grupos, os quais se sentem excluídos do exercício dos direitos de cidadania, das políticas de memória, além de sofrerem preconceito e discriminação da sociedade.

Bandeirante: a construção do herói pela historiografia

Na história oficial, os bandeirantes são identificados como os personagens que foram responsáveis pelo desbravamento das fronteiras territoriais, ampliando, assim, consideravelmente, os limites geográficos da então colônia portuguesa na América. As expedições que adentravam os sertões, em busca de mão-de-obra e metais preciosos, ficaram conhecidas como “Bandeiras”19 e seus participantes “bandeirantes”.

No entanto, sabemos que essa imagem “heroica” do bandeirante foi fruto de uma construção histórica realizada pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), no final do século XIX, com o intuito de inserir a história do Estado na história nacional:

Se cada instituto selecionou imagens diversas para uma mesma história, no exemplo paulista houve um claro predomínio temático do fenômeno do bandeirantismo. Os historiadores paulistas foram os responsáveis pela valorização e popularização da figura do bandeirante, introduzindo uma interpretação ainda presente na historiografia oficial. Nesta se estabelece uma relação entre a atitude valente e laboriosa daqueles primeiros aventureiros e um suposto perfil do Estado e de sua trajetória vitoriosa20.

No entanto, essa imagem de homem forte, bem vestido, com botas de cano alto, gibão, colete e chapéu de abas largas, tal qual um nobre ou um cavaleiro medieval, não condiz com a realidade de vida do bandeirante, segundo salienta o escritor Alcântara Machado21, na sua obra Vida e morte de um Bandeirante. Machado, utilizando-se de inventários familiares como fontes documentais, mostra o bandeirante como um homem, em geral, analfabeto e pobre, com costumes pouco refinados e que enfrentava dificuldades na conquista do sertão: ataques de índios, animais selvagens e peçonhentos, e até mesmo fome. Descalços, avançando a pé pelas trilhas abertas pelos índios e portando arcos e flechas, os bandeirantes estavam distantes da imagem projetada pela historiografia oficial. A representação visual e heroica do bandeirante foi amplamente reproduzida na literatura didática, está presente nos acervos dos principais museus históricos do país (Figura 3) e ainda hoje povoa o imaginário popular. Já para o historiador Sérgio Buarque de Holanda22, o bandeirante deve muito de sua empreitada pela conquista da terra à presença indígena nas expedições: o bandeirante adentrava as matas e aprendia com os índios a luta pela sobrevivência no sertão.

Essa construção heroica desse personagem é tão forte no imaginário popular que sua figura é sempre retomada, de tempos em tempos, quando se necessita de uma justificativa ideológica para ressaltar o papel de São Paulo no contexto nacional. Assim foi feito, por exemplo, quando do Movimento Constitucionalista de 1932: o soldado constitucionalista que lutava contra o governo de Vargas encarnava a figura do bandeirante e sua imagem encontrava-se reproduzida em volantes, cartazes e panfletos usados durante a revolta.

Representação visual e heroica do Bandeirante

Figura 3. Representação visual e heroica do Bandeirante.

Quadro “Domingos Jorge Velho”, de Benedito Calixto, Acervo Museu Paulista.

Fonte: Wikimedia Commons

Nas comemorações alusivas aos 450 anos de São Paulo, em 1954, mais uma vez a figura do bandeirante foi usada para mostrar a pujança econômica do Estado no contexto da federação brasileira, ressaltando que, desde tempos imemoriais, São Paulo já estava predestinado ao progresso e ao desenvolvimento industrial23. E é exatamente no contexto dessa efeméride que será inaugurado o principal monumento em homenagem à figura do bandeirante: o Monumento às Bandeiras.

Os Bandeirantes em praça pública: o Monumento às Bandeiras e a Estátua de Borba Gato

A ligação do estado de São Paulo com a figura do bandeirante é tão forte que vários logradouros públicos, como rodovias, avenidas e escolas, receberam o nome de diversos deles no decorrer da história. A ideia do bandeirante como “herói paulista” se fez presente também na estatuária pública, nas praças e parques da cidade de São Paulo. Dois desses monumentos, construídos em momentos diferentes, são bastante emblemáticos e têm sido objeto de polêmicas e discussões entre o poder público e movimentos da sociedade civil. Estamos nos referindo ao Monumento às Bandeiras (1953) e à Estátua do Bandeirante Borba Gato (1963).

O Monumento às Bandeiras, de autoria do escultor Victor Brecheret (1894-1955), constitui um verdadeiro cartão-postal da cidade de São Paulo e referência de todos que habitam essa cidade, sendo conhecido popularmente como “empurra-empurra” ou “puxa-puxa”, a partir do ângulo em que é visto. Ele está localizado no Parque Ibirapuera, na área da Praça Armando de Salles Oliveira, e representa os bandeirantes que desbravaram o país no período colonial. A escultura é composta por 240 blocos de granito, com cerca de 50 toneladas cada, tem 12 metros de altura, 50 metros de extensão e 15 metros de largura. Nela, pode-se observar portugueses, negros, mamelucos e índios. Embora retrate vários sujeitos históricos, o bandeirante ocupa o plano principal da obra. As outras etnias formadoras do povo paulista estão em posição subordinada: pressupõe-se um grupo de indígenas catequisados, pois trazem um crucifico ao pescoço. Já os negros encontram-se amarrados e todos estão envolvidos na tarefa de puxar uma canoa de monções, embarcação fluvial típica usada nessas expedições.

Nas faces laterais do pedestal do monumento, encontramos duas inscrições com textos que exaltam o papel “heroico” dos bandeirantes na construção da história paulista e sua contribuição na definição das fronteiras nacionais: à direita, versos do poeta Guilherme de Almeida (1890-1969): “Brandiram archas e empurraram quilhas/ Vergando a vertical de Tordesilhas”; à esquerda, um trecho do escritor Cassiano Ricardo (1894-1974), autor do clássico Marcha para o Oeste (1940), que diz: “Glória aos heróis que traçaram/ O nosso destino na Geografia/ Do mundo livre/ Sem eles o Brasil não seria grande como é” (Figura 4).

Monumento às Bandeiras (1953). São Paulo

Figura 4. Monumento às Bandeiras (1953), São Paulo.

Fonte: Wikimedia Commons

Lília Schwarcz faz uma análise crítica desse monumento icônico de São Paulo, mostrando as razões pelas quais ele tem sido objeto de contestação:

O conjunto escultórico pode ser lido, porém de outra maneira, e assim ser contestado. À frente, um bandeirante de origem europeia, vestido tal qual um nobre medieval, portando uma espécie de armadura (tropical), controla dois fogosos cavalos. (...)

O líder olha para trás com o objetivo de observar se está sendo seguido e obedecido em sua voz de comando. Na sequência, negros escravizados, e indígenas conversos em uma sorte de procissão. (...)

Bem ao estilo modernista, são todos muito fortes deixando seus músculos à mostra. O importante é que, no contexto de criação e sobretudo na inauguração do trabalho, ele passava uma mensagem clara de “harmonia racial”: o desfile passivo das várias etnias, com cada um “em seu lugar”24.

Encomendada pelo Governo de São Paulo em 1921, como parte das comemorações do centenário da Independência do Brasil, a obra de Brecheret só foi inaugurada em 1953, já no contexto de outra importante efeméride, o IV Centenário da Cidade de São Paulo.

Esse Monumento é objeto de muitas contestações e tem sido alvo de ações iconoclastas da parte dos movimentos sociais, na medida em que compreendemos, com base nas novas pesquisas historiográficas, que, a despeito de procurar as riquezas minerais sertão adentro, o movimento bandeirante foi responsável, também, pelo genocídio de várias comunidades indígenas do país e pela destruição de quilombos, durante o período da colonização.

Uma das primeiras ações iconoclastas ao Monumento às Bandeiras se deu durante o regime civil-militar, quando um grupo de artistas, denominado 3Nós3, ensacou a cabeça de algumas estátuas da capital paulista na madrugada do dia 27 de abril de 1979. Essa ação, denominada Ensacamento, fazia uma clara alusão à tortura que era praticada nos porões da ditadura.

Neste século, ocorreram duas manifestações que resultaram na pichação desse Monumento. A primeira, em outubro de 2013, por ocasião da Semana de Mobilização da Causa Indígena, organizada pela Comissão Guarani Yvyrupa e a segunda, em 2016, por ocasião das eleições municipais em São Paulo (Figura 5):

Nos últimos anos, no entanto, a imagem do Bandeirante desbravador e unificador do território vem dando lugar à imagem do Bandeirante que apresou e espoliou o território dos índios. Em 2013, a obra sofreu dois atos de protesto sucessivos, em manifestações contra a proposta de emenda constitucional (PEC), que retiraria do Poder Executivo a definição sobre a delimitação de terras indígenas e a passaria para o Congresso Nacional. Na manhã de 2 de outubro, apareceram as pichações “Bandeirantes Assassinos” e “PEC 215 NÃO”. A obra foi limpa e, no dia seguinte, os manifestantes (maioria indígenas) reuniram-se no vão do MASP e marcharam até chegar ao monumento, no qual jogaram tinta vermelha, estenderam um pano vermelho e picharam mensagens de ódio aos bandeirantes. A cor representava o sangue dos povos dizimados durante as expedições às quais o monumento é dedicado. Em 2016, após um debate durante a campanha eleitoral, o monumento amanheceu novamente coberto de tinta, assim como a escultura do bandeirante Borba Gato25.

Pichação no Monumento às Bandeiras, com uso de tinta vermelha  e frase “Bandeirantes Assassinos” (São Paulo, 2013)

Figura 5. Pichação no Monumento às Bandeiras, com uso de tinta vermelha e frase “Bandeirantes Assassinos”, São Paulo, 2013.

Fonte: uol.com.br

Outro monumento alusivo à figura do bandeirante é a Estátua de Borba Gato26, de autoria do escultor Júlio Guerra (1912-2001), inaugurada em 1963, de proporções gigantescas, com cerca de 13 metros de altura, na entrada principal do bairro de Santo Amaro, na capital paulista. Nele,

O Bandeirante aparece de maneira grandiosa, tanto por seu tamanho e volume, como em função do grande espaço vazio que ocupa: não há nada a atrapalhar sua projeção. Borba Gato traz a sua face rígida, impoluta, a pele clara, a barba bem aparada, chapéu largo, corpete ajustado com um cinto, botas que tomam quase metade da obra e uma espingarda, imensa e um tanto fálica, que vai da base até o peito do protagonista. Hoje sabemos que esse tipo de vestimenta não passava de uma projeção europeia, que pretendia tratar esses personagens como “nobres das selvas”. Como não restaram documentos imagéticos sobre os bandeirantes, a história tratou de elevá-los, confundindo-os com guerreiros europeus das cruzadas. Mas nada condiz tão pouco com a realidade; tanto no caráter moral, como na caracterização física: ninguém se aventuraria entrar nas florestas desses perdidos Brasis com esse tipo de indumentária27.

Para além de ser um monumento colonial e controverso, a Estátua de Borba Gato foi, desde sua inauguração, objeto de críticas por parte da comunidade artística, que o considera um atentado à estética urbana, razão pela qual tem recebido vários apelidos, a saber: “Borba Feio”; “Borbagatão”; “Trambolho”; “Monstro Gato”28.

Em 24 de julho de 2021, a Estátua de Borba Gato foi alvo de mais uma ação iconoclasta. Dessa vez, o coletivo denominado “Revolução Periférica”29 colocou pneus e ateou fogo na base do monumento. Foi, sem dúvidas, a maior manifestação de protesto a um monumento público no Brasil e que teve grandes repercussões na mídia, pois o ato foi filmado pelos próprios manifestantes e a imagem de Borba Gato em chamas viralizou nas redes sociais e plataformas digitais, provocando, de imediato, as mais diferentes reações (Figuras 6 e 7).

Incêndio na Estátua de Borba Gato (24.07.2021), São Paulo.  Fonte: Folhapress

Figura 6. Incêndio na Estátua de Borba Gato, São Paulo, 24 de julho de 2021.

Fonte: Folhapress

Ao assumir a responsabilidade pelo ato iconoclasta, Paulo “Galo” Lima, considerado o principal líder do grupo, postou nas redes sociais, justificando porque tinha ateado fogo ao monumento: “O Borba Gato é um recado da burguesia. É a elite dizendo: sempre que você passar dessa linha, vai existir um bandeirante na porta de vocês, com uma arma, pronto para matar, roubar, abusar sexualmente”. Em outra postagem, ele reivindica: “Nós estamos em guerra. E não temos uma estátua de 13 metros de Zumbi dos Palmares dizendo: aqui é nosso!” Outro manifestante, Danilo “Biu” de Oliveira, também deu o seu recado nas redes sociais: “Depois de 521 anos, participar dessa ação me faz sentir o peso dos meus ancestrais. Nossa autoconfiança se eleva porque, do nosso lado, tem milhões de negros e indígenas, todos filhos da opressão”.

Incêndio na Estátua de Borba Gato (24.07.2021), São Paulo.  Fonte: arte!brasileiros

Figura 7. Incêndio na Estátua de Borba Gato, São Paulo, 24 de julho de 2021.

Fonte: arte!brasileiros

Os manifestantes acima referidos foram presos, depois colocados em liberdade, mas ainda respondem a processo judicial por danos ao patrimônio público. Interessante ressaltar que, após o ato iconoclasta, o grupo realizou uma aula pública, intitulada “Quem foi Borba Gato?”, em frente à estátua (Figura 8). Acompanha a postagem o seguinte texto de convocação:

Salve dado pela resistência indígena de aula pública hoje! No último 24 de julho uma fogueira queimou e reacendeu o debate sobre a estátua do assassino racista Borba Gato. E isso tem um grande significado para todas as lutas contra o colonialismo capitalista que vem destruindo pessoas, povos, culturas e a natureza há 521 anos nesse território Pindorama, que foi invadido e chamado de Brasil.

Nós que tivemos nossas terras roubadas, nossos corpos escravizados, que estamos na aldeia, no quilombo, na cidade e nas periferias do país, e que seguimos tendo nossas vidas marcadas pelo encarceramento, pelo genocídio e pelo etnocídio, não aceitaremos mais olhar passivamente para monumentos que reverenciam nosso contínuo extermínio.

Dia 14/08, às 14h00, faremos uma Aula Pública para relembrar quem foi Borba Gato, e o que ele e todos os Bandeirantes representam para os Povos Originários dessa Terra. Abaixo o Colono Capitalismo!30

Aula Pública promovida pelo grupo ativista Revolução Periférica. Fonte: Instagram @revolucaoperiferica

Figura 8. Aula Pública promovida pelo grupo ativista Revolução Periférica.

Fonte: Instagram @revolucaoperiferica

Essas ações de pichação e destruição com o uso do fogo e outros elementos são geralmente vistas por parte do poder público e de setores da sociedade como mero ato de “vandalismo”. Na verdade, o que há é um processo, o qual não começou hoje, e se faz presente na história da humanidade desde os tempos mais remotos e que denominamos de “iconoclastia”31, podendo ser de cunho religioso ou motivado por questões de ordem político-ideológica. A título de ilustração, podemos pontuar diversos momentos dessa história da iconoclastia, como, por exemplo, a destruição dos narizes dos rostos de figuras egípcias, a fundição de estátuas de imperadores romanos por monarquias cristãs durante a Idade Média, a construção de templos católicos em locais de cultos pagãos por parte da Igreja durante o Concílio de Trento e a destruição de monumentos ligados ao Antigo Regime no contexto da Revolução Francesa.

Por ocasião das comemorações dos 500 anos da chegada de Cristóvão Colombo em 1992, em diversos países da América começou uma forte contestação a sua presença em monumentos celebrativos a essa efeméride. De herói do “descobrimento” da América passou a ser o “vilão da história”, responsável pelo início do genocídio das populações indígenas. E essa contestação segue até os dias de hoje, ou seja, sua representação visual nos espaços públicos faz dele um dos monumentos mais contestados em todo o continente americano:

Um dos personagens históricos mais questionados no recente movimento de confrontação à escultura pública, que teve como epicentro os Estados Unidos, foi o navegador genovês Cristóvão Colombo (1451-1506). Antes exaltada como responsável pelo alargamento do mundo “conhecido” – pelos europeus -, a viagem de Colombo hoje é tomada como antessala da dominação colonial, da intensa exploração e extermínio das populações ameríndias e do tráfico transatlântico de escravizados africanos32.

Mais recentemente, podemos citar os seguintes movimentos iconoclastas ocorridos neste século: na África do Sul, em 2015, os estudantes da Universidade da Cidade do Cabo promoveram a retirada da estátua de Cecil Rhodes e a ação ficou conhecida como #Rhodes Must Fall (Rhodes deve cair); nos Estados Unidos, no ano de 2017, a partir do atentado de Charlottesville que teve, como centro do conflito, um monumento relacionado à escravidão, iniciou-se um debate público e a posterior retirada de monumentos aos confederados, ligados à memória da Guerra Civil americana, em várias cidades do país33; no Chile, por ocasião das manifestações de protesto em 2019, foram derrubadas estátuas de conquistadores espanhóis e a Praça Itália foi tomada e rebatizada pelos manifestantes de “Plaza de La Dignidad”. Esses exemplos são evidências de que os monumentos, geralmente em homenagem a determinados personagens históricos ou em celebração a alguma efeméride, não são artefatos culturais assépticos, permanentes e muito menos consensuais, mas têm significado, contexto e funções dentro do espaço urbano. Embora feitos de pedra, mármore ou bronze, ou seja, com materiais resistentes, os monumentos históricos não são imutáveis e trazem consigo uma narrativa, que ainda hoje causam desconforto aos grupos marginalizados e silenciados pela história oficial. É preciso lembrar, citando as palavras oportunas da historiadora Keila Grinberg, que

A estátua que você vê na rua nunca é só uma estátua. No caso de esculturas que homenageiam pessoas, elas sempre remetem pelo menos a três tempos: ao tempo em que o homenageado viveu; ao tempo em que o objeto foi elaborado; ao tempo presente, quando ele é cotidianamente ressignificado por aqueles que o veem34.

O grande problema que se coloca no debate contemporâneo é a existência de uma legislação que criminaliza essas ações de iconoclastia e que leva o poder público, os setores mais conservadores da sociedade e até mesmo alguns profissionais pertencentes aos órgãos oficiais de preservação do patrimônio histórico a considerar que isso não passa de vandalismo, devendo seus atores serem punidos, nos termos da lei35.

Há também uma crítica à retirada de estátuas do espaço público por parte de alguns segmentos intelectuais, pois, segundo eles, isso seria uma forma de anacronismo e representaria um apagamento da própria história. Eis um exemplo:

Mas derrubar as estátuas não seria uma forma de anacronismo, isto é, uma atualização imprópria no sentido de reduzir a história ao universo dos valores do presente? Não estaríamos tirando esses personagens de seu contexto histórico? Diante de tais questões devemos nos lembrar que o racismo não é algo do passado: ele ainda está presente e tem consequências significativas nas nossas vidas

(...)

Neste sentido, derrubar estátuas não significa que o passado relativo a essas estátuas será apagado, mas sim que há um desejo de mudança em direção a um futuro em que pessoas que construíram suas vidas baseadas na escravização de outras pessoas se tornem uma referência36.

O historiador Marcos Napolitano resume, de forma acertada, as três posições básicas em que se pauta o debate público acerca do fenômeno da “guerra das estátuas”:

a) a ação direta de derrubar as estátuas de racistas e colonialistas, sem maiores mediações, era não só legítima politicamente, como eticamente necessária;

b) a retirada das estátuas de personagens polêmicos deveria ser negociada entre movimentos sociais e poder público, posto que aqueles monumentos eram patrimônios históricos e artísticos que transcendiam o homenageado;

c) as estátuas e monumentos deveriam ser mantidas, em princípio, com a devida contextualização crítica do seu significado histórico37.

A ação iconoclasta de retirada de monumentos chegou à esfera do poder público através de iniciativas legislativas de parlamentares ligadas a partidos políticos progressistas. Foi o caso da deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP) que, por intermédio do Projeto de Lei nº 404/2020, propôs a remoção de estátuas de escravocratas em São Paulo. No Congresso Nacional, a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) já havia apresentado, no ano anterior, o Projeto de Lei nº 5.923/2019, que “dispõe sobre a proibição de homenagens a proprietários de escravos, traficantes de escravos, pensadores que defenderam e legitimaram a escravidão em monumentos públicos, estátuas, totens, praças e bustos ou qualquer outro tipo de monumento”. Até o presente momento, essas proposições legislativas não foram objeto de nenhuma deliberação. Há também iniciativas similares em outras unidades da federação brasileira, o que demonstra que o tema dos monumentos veio para ficar na agenda das políticas públicas de preservação do patrimônio cultural.

Vale ressaltar, também, que, no Brasil, esses atos de iconoclastia não se dão apenas em relação aos monumentos ditos coloniais. As poucas estátuas, bustos e placas que fazem homenagem a determinados personagens históricos ligados aos segmentos populares também tem sido alvo de iconoclastia. É o caso, por exemplo, do Monumento a Zumbi dos Palmares (1986), localizado na cidade do Rio de Janeiro-RJ e que, por vários anos, às vésperas do “Dia Nacional da Consciência Negra” (20 de novembro alusivo à morte de Zumbi) amanhecia pichado e com inscrições da suástica nazista. É de se destacar, também, a dificuldade que foi a colocação da estátua do marinheiro negro João Cândido Felisberto (1880-1969) em praça pública, líder da Revolta da Chibata (1910) contra os maus tratos impostos aos marujos pela Marinha brasileira. Durante um certo tempo, o navegante negro só teve “as pedras pisadas do cais”38 como único monumento.

À Guisa de Conclusão: Monumentos Históricos - modos de usar

O tema do Patrimônio Cultural está na ordem do dia, evidenciando disputas de memória no espaço público das cidades. Exemplo mais contundente se deu no ano de 2020, em plena Pandemia da Covid-19, quando os moradores da cidade inglesa de Bristol derrubaram a estátua do Sir Edward Colston39 e a lançaram no rio Avon, em protesto ao fato de que, no passado, ele fora traficante de escravos (Figura 9). Esse protesto de iconoclastia política se deu no contexto das lutas antirraciais, a partir do trágico assassinato do afro-americano George Floyd40 por um policial militar.

Derrubada da Estátua de Edward Colston, Bristol-Inglaterra (07.06.2020). Fonte: globo.com

Figura 9. Derrubada da Estátua de Edward Colston, Bristol-Inglaterra, 7 de junho de 2020.

Fonte: globo.com

As manifestações de protesto, no contexto do movimento Black Lives Matter41 (Vidas Negras Importam), se iniciaram nos Estados Unidos e tomaram conta de diversos países contra a permanência de monumentos que evocam figuras relacionadas à colonialidade e à escravidão. Foi o caso da estátua de Cristóvão Colombo que foi literalmente decapitada em Boston e as pichações aos bustos do Rei Leopoldo II da Bélgica, responsável por um dos mais sangrentos processos de colonização no Congo.

O que fazer com os monumentos históricos de matriz colonial? Como descolonizar o Patrimônio Cultural brasileiro? Retirá-los do espaço urbano? Removê-los e levá-los para a reserva técnica dos museus onde poderiam ser colocados, eventualmente, em uma exposição? Deveriam permanecer no local, haja vista que muitos deles são tombados pelo poder público e considerados bens integrantes do chamado Patrimônio Histórico e Artístico nacional? Poder-se-ia afixar placas com explicações históricas de contextualização desses monumentos ou se permitiria a realização de performances artísticas e manifestações de ressignificação dos mesmos?

Alguns especialistas mais conservadores, ligados meramente à questão estética, defendem a manutenção de estátuas e esculturas no espaço público, mesmo que essas evoquem personagens e fatos relacionados ao colonialismo e à escravidão. Há os que querem a retirada dos monumentos e aqueles que, usando de intervenções pontuais e efêmeras, fazem uma ressignificação dos mesmos para denunciar seu caráter colonial, elitista e excludente.

Foi o caso da intervenção realizada pelo artista plástico Diambe da Silva no dia 22 de janeiro de 2020 no nosso primeiro monumento histórico construído em praça pública, a estátua equestre de D. Pedro I, já mencionada anteriormente. O “Dia da Devolta” (Figura 10), como esse artista negro denominou, consistiu em colocar fogo ao redor do monumento por um breve espaço de tempo, sem que as chamas se alastrassem e antes que ocorresse a repressão pelas forças policiais: “Não era sobre destruir o monumento, mas intoxicá-lo com a fumaça preta, dar-lhe um chamado, acrescentar-lhe um novo episódio histórico. Dom Pedro foi brevemente sequestrado, embora ainda protegido pela polícia. A praça está em disputa42.

DIA DA DEVOLTA, Intervenção/Performance do artista plástico Diambe da Silva, no primeiro Monumento construído no Brasil, Estátua equestre de d. Pedro I (22.01.2020). Fonte: Revista a palavra solta

Figuras 10. DIA DA DEVOLTA, Intervenção/Performance do artista plástico Diambe da Silva, no primeiro Monumento construído no Brasil, Estátua equestre de d. Pedro I (22.01.2020).

Fonte: Revista a palavra solta

Monumento às Bandeiras sem a imagem dos bandeirantes.

Figura 11. Monumento às Bandeiras sem a imagem dos bandeirantes.

Fonte: Evandro Prado, Série Desmonumento “Bandeiras”, 2020.

Aquarela sobre papel – 38 x 28 cm.

Mais recentemente o artista plástico Evandro Prado43 fez uma releitura dos principais monumentos existentes no Brasil e na América do Sul na exposição intitulada “Desmonumento” (Figuras 11 e 12). Nela ele expôs quadros, em aquarela, que reproduzem os principais monumentos: alguns tombando, outros caindo, afundando, faltando peças e até mesmo sendo “decapitados”, como é o caso da Estátua do Borba Gato, objeto de nossa análise nesse artigo. Seu objetivo é provocar, questionar e subverter a lógica monumental existente nos centros urbanos.

Estátua de Borba Gato, tombando e com a cabeça ao chão.

Figura 12. Estátua de Borba Gato, tombando e com a cabeça ao chão.

Fonte: Evandro Prado, Série Desmonumento “Borba Gato”, 2020.

Aquarela sobre papel – 38 x 28 cm.

Com o advento de novos suportes de informação e comunicação, há que se destacar, também, a existência de vários blogs, sites e redes sociais que procuram fazer uma leitura crítica desses monumentos e, com o uso de novas tecnologias, tentam mostrar o aspecto colonial dessas obras escultóricas. Entre eles, podemos citar: @demonumenta; @monumentosincomodos; @monumentonenhum e o sítio eletrônico que mapeia os lugares de memória relacionados ao regime militar no Brasil: www.ditamapa.desvirtual.com/

Há ainda os que defendem que esses monumentos sejam retirados do espaço público e levadas aos museus, onde poderiam ser expostos e melhor contextualizados. Nesse caso, ocorre um processo de musealização em relação a essas peças escultóricas:

Uma solução seria colocar esse tipo de representação em museus, e não em espaços públicos como representantes de valores coletivos. Se transferidas para museus, as estátuas podem ser melhor contextualizadas, e o visitante poderá adquirir mais conhecimentos sobre a história da pessoa homenageada, assim como o contexto histórico em que a homenagem foi realizada. Em um museu, o visitante vai com a intenção de ver o que ali está exposto; enquanto no espaço urbano, a visão das estátuas é “imposta”, os transeuntes não têm a opção de não vê-las – embora muitas vezes as estátuas presentes no espaço urbano sejam completamente ignoradas pelos passantes, deixando de fazer sentido como homenagem ou celebração44.

Essa foi a opção adotada pelo governo municipal de Bristol em relação à estátua de Edward Colston. No dia 7 de junho de 2021, quase um ano após ter sido alvo de manifestação iconoclasta dos habitantes locais, a referida estátua passou a ter um novo destino. Hoje, ela encontra-se no Museu municipal, exposta à visitação pública. O interessante é que ela foi colocada na posição horizontal e contém os pichos de tinta lançados pelos manifestantes (Figura 13). Mesmo se tornando um objeto museológico, sua exposição nesse novo espaço passou a ter uma nova narrativa. Não se trata mais do suposto herói, exaltado em praça pública sobre um pedestal. Na expografia adotada pelo museu, ao conter a pichação e uma linha do tempo que mostra os principais fatos a ela relacionados, ocorre uma ressignificação do monumento, que, ao exaltar um personagem histórico controverso, retratava, implicitamente, um passado sensível da história da civilização ocidental45.

A estátua de Edward Colston, Bristol’s M Shed Museum, Bristol

Figura 13. A estátua de Edward Colston, Bristol’s M Shed Museum, Bristol.

Fonte: Público

Solução radical em relação aos monumentos incômodos se deu em Budapeste quando o governo húngaro resolveu criar um espaço próprio para abrigar estátuas, bustos e placas da era comunista, que antes ocupavam espaços públicos na capital. O Memento Park, distante do centro de Budapeste, abriga estátuas de Marx, Engels, Lênin, o pedestal de Stálin e uma cópia em tamanho real de suas botas, que foi o que restou da estátua dele quando foi destruída na Revolução de 195646.

Em síntese, o que podemos afirmar é que não há consenso sobre o que fazer com esses monumentos contestados, presentes nos mais diferentes espaços dos centros urbanos. O que importa aqui registrar, e que mostramos ao longo desse texto, é o fato de que essas contestações aos monumentos históricos tradicionais revelam o quanto o espaço público de nossas cidades constitui um campo de disputas simbólicas.

Ao questionar os monumentos tradicionais, os movimentos sociais contemporâneos, geralmente ligados à questão étnica e identitária promovem uma discussão acerca da importância de se descolonizar o patrimônio histórico. E o que não se pode perder de vista é que essas manifestações de iconoclastia constituem ações legitimas de luta pelo direito à memória de setores da sociedade que se querem ver também representados nos espaços públicos de nossas cidades, o direito de ter também reconhecidos, em praças e parques, seus heróis, seus lugares de luta e resistência cultural, a exemplo dos quilombos e terreiros.

Pesquisa realizada em São Paulo, intitulada Quais histórias as cidades nos contam? A presença negra nos espaços públicos de São Paulo, pelo Instituto Pólis47, constatou o quanto os espaços públicos dessa cidade referenciam, majoritariamente, a tradição de matriz europeia, em detrimento, sobretudo, dos grupos indígenas e afro-brasileiros. Vamos aos números: do universo de 367 monumentos, 200 referem-se a pessoas e, desse total, 169 são representações de figuras masculinas, na sua maioria homens brancos (137) e apenas 4 homens negros, 4 homens indígenas e somente uma figura de mulher negra. Conclui-se que há uma sub-representação das minorias étnicas e de gênero na imaginária urbana da capital paulista, a maior cidade da América do Sul. A pesquisa também revelou a existência de 14 monumentos controversos, referentes ao passado escravista colonial ou que fazem homenagem a pessoas ligadas ao regime civil-militar de 1964.

Há uma tentativa de construção de uma memória nacional mais plural e inclusiva, expressa em artigos de nossa Constituição Federal48. No entanto, a constituição do Patrimônio Histórico nacional assentou-se, quase sempre, em monumentos, sítios históricos, prédios e outros bens materiais, que remontam ao passado colonial de matriz luso-católica, cuja expressão estética estava ligada ao barroco49. Já os bens representativos de outros segmentos sociais ficaram alijados do processo de patrimonialização.

As culturas afro-brasileiras nem sempre foram consideradas patrimônios, muito menos patrimônios culturais do Brasil. Perseguidas historicamente ou vistas como folclore e vestígios de um passado que tendia a desaparecer pelas pressões da modernidade, só recentemente começaram a ser consideradas por especialistas da cultura e pelos próprios detentores como patrimônios50.

O que esses grupos sociais reivindicam é o direito a uma representação visual de sua história no espaço público das cidades. Em última instância, a luta pelo direito à memória, como direito fundamental e expressão maior da cidadania cultural51, representa, também, o direito à cidade e o seu exercício aponta para a construção de uma sociedade mais inclusiva e democrática. O que se quer é a configuração de um patrimônio histórico mais plural e diverso, para além dos bens culturais representativos da identidade do estado-nação que, geralmente, exaltam, através de seus monumentos, os heróis em detrimento de outros sujeitos históricos. Que a inclusão de outros itens ligados às matrizes étnicas de nossa diversidade cultural nas políticas de memória e do patrimônio possa também contribuir para denunciar o racismo estrutural e a desigualdade social, ainda existentes em nosso país.

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1

Itamar Vieira Júnior, Torto Arado, São Paulo, Todavia, 2019, p. 97.

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2

Nome dado às comunidades negras compostas, na sua maioria, por escravos fugitivos ou revoltosos, sem prejuízo de outros que, recém-chegados da África, procuravam esses agrupamentos (...) Os quilombos instalavam-se em locais muito distantes e de difícil acesso, em terras praticamente virgens. Ali, os quilombolas refaziam a estrutura social africana” (Antonio Carlos do Amaral Azevedo, Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos, Editora Nova Fronteira, 1999, p. 378). A formação de quilombos constituiu uma das principais formas de resistência dos negros à opressão do sistema escravista implantado no Brasil desde a colonização. Hoje, existem no país 6 mil comunidades quilombolas, presentes em metade dos municípios brasileiros e em 25 das 27 unidades da federação, que ainda lutam pela demarcação de suas terras e o reconhecimento étnico-cultural por parte do Poder Público.

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3

O termo “história oficial” é usado para designar a produção historiográfica dos Institutos Históricos e que teve na escola de educação básica o seu lócus privilegiado de reprodução e divulgação, por meio de uma literatura didática de cunho nacionalista.

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4

Eric Hobsbawm, Nações e Nacionalismo desde 1780, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990.

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5

Aloïs Rieghl, O Culto moderno dos monumentos: sua essência e sua gênese, Goiânia, Editora da Universidade Católica de Goiás, 2006, p. 43.

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6

Maria Eurydice de Barros Ribeiro, “Memória em Bronze- Estátua Equestre de D. Pedro I”, in Paulo Knauss (org.), Cidade Vaidosa: imagens urbanas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Sette Letras, 1999, p. 26.

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7

Maurice Agulhon, Histoire Vagabonde, v. I: Etnologie et politique dans la France contemporaine, Paris, Galimard, 1988.

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8

Ricardo Oriá, “História Pública e Monumentos: a narrativa visual do passado nacional”, in Juniele R. de Almeida e Sônia Meneses (orgs.), História Pública em Debate: patrimônio, educação e mediações do passado, São Paulo, Letra e Voz, 2018.

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9

Maria Eurydice de Barros Ribeiro, “Memória em Bronze- Estátua Equestre de D. Pedro I”, in Paulo Knauss (org.), Cidade Vaidosa: imagens urbanas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Sette Letras, 1999, p. 18.

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10

Silvia Hunold Lara, “Tiradentes e a nação esquartejada”, Pátria Amada Esquartejada, São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura. Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), 1992, p. 84.

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11

José Murilo de Carvalho, A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil, São Paulo, Companhia das Letra, 1990, p. 55, grifos nossos.

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12

Márcio Seligmann-Silva, “Antimonumentos: a memória possível após as catástrofes”, in Inês Prado Soares e Sandra Cureau (orgs.), Bens Culturais e Direitos Humanos, São Paulo, Edições SESC São Paulo, 2015, p. 246.

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13

Ricardo Oriá, “O direito à memória como direito fundamental: uma contribuição ao estudo dos direitos humanos no Brasil contemporâneo”, in Sônia Meneses (org.), História, memória e direitos, São Paulo, Letra e Voz, 2019.

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15

Cristina Meneguello, “Patrimônios Difíceis (Sombrios)”, in Aline Carvalho e Cristina Meneguello (orgs.), Dicionário Temático de Patrimônio: debates contemporâneos, Campinas, Editora da Unicamp, 2020, p. 245.

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16

Referências sobre o processo e dossiê para a inscrição do Cais do Valongo como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, em 2017, consultar: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1605/ Acesso em 12.10.2022.

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17

Ynaê Lopes dos Santos, “Um pouco de navio negreiro”, Serrote: uma revista de ensaios, artes visuais, ideias e literatura, vol. 38, julho de 2021, p. 14, grifos nossos.

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18

O Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), estabelecido pela Lei nº 12.258, de 2011, recomendou a alteração da denominação de logradouros, ruas e avenidas, que se refiram a agentes públicos ou particulares, os quais tenham praticado graves violações aos direitos humanos durante o regime civil-militar (1964-1985). Essas mudanças, bem como o reconhecimento de “lugares de memória” do regime de exceção, têm sido objeto de polêmicas por parte de alguns setores da sociedade e do governo, que querem omitir o passado de censura, repressão e tortura na história recente do país.

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19

A origem do nome “bandeiras” é bastante controversa: “entre as hipóteses, avulta a de que bandeira significa parte de um bando armado, acepção esta originalmente italiana e, a seguir, espanhola e portuguesa. É o equivalente à companhia, destacamento. Alguns, porém, acham que o termo se prende ao fato de ser conduzida sempre uma bandeira, com as insígnias do chefe da expedição. Outras discussões se polarizam na distinção, feita por muitos, entre bandeiras e entradas, estas organizadas pelo governo, aquelas, pela iniciativa privada” (Antonio Carlos do Amaral Azevedo, Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos, Editora Nova Fronteira, 1999, p. 56).

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20

Lília Schwarcz, O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930), São Paulo, Companhia das Letras, 1993, p. 132-3.

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21

Alcântara Machado, Vida e morte do Bandeirante, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2000.

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22

Sérgio Buarque de Holanda, Caminhos e Fronteiras, São Paulo, Melhoramentos, 1957.

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23

Kátia Abud, “A ideia de São Paulo como formador do Brasil”, in Antonio Cels Ferreira, Tânia Regina de Luca e Zilda Grícoli Iokoi (orgs.), Encontros com a História: percursos históricos e historiográficos de São Paulo, São Paulo, UNESP, 1999.

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24

Lília Schwarcz, “Ser ou não ser patrimônio: bandeirantes e bandeiras e outros conjuntos escultóricos contestados”, in Miguel Bandeira Jerónimo e Walter Rosa (orgs.), Patrimónios Contestados, Lisboa, Edição Público, 2021, p. 40.

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25

Renato Cymbalista (org.), Guia dos lugares difíceis de São Paulo, São Paulo, Annablume, 2019, p. 125.

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26

Manuel Borba Gato (1649-1718) é um os mais conhecidos bandeirantes paulistas. Juntamente com seu sogro Fernão Dias Paes, também bandeirante, lideraram expedições em busca de jazidas de esmeralda e prata na região serrana do atual Estado de Minas Gerais.

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27

Lília Schwarcz, “Ser ou não ser patrimônio: bandeirantes e bandeiras e outros conjuntos escultóricos contestados”, in Miguel Bandeira Jerónimo e Walter Rosa (orgs.), Patrimónios Contestados, Lisboa, Edição Público, 2021, p. 37.

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29

Grupo de ativistas sociais, que possui página no Instagram, com a seguinte chamada: “A REVOLUÇÃO PERIFÉRICA começou quando o favelado se deu conta que era oprimido”.

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30

Disponível em: Instagram: @revolucaoperiferica. Acesso em 20.10.2022.

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31

Francisco das Chagas F. Santiago Júnior, “De São Paulo a Charlottesville: Derrubada e questionamento de monumentos como casos de iconoclastia política da história pública”, in Rogério R. Rodrigues e Viviane Borges, História pública e história do tempo presente, São Paulo, Letra e Voz, 2021.

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32

Rafael Dias Scarelli, “‘!Abajo el monumento a Colón!’: a estátua de Cristóvão Colombo em Lima (1860) e o ‘Dia de La Raza’”, in Marcos Napolitano e Rosane Kaminski (orgs.), Monumentos, memória e violência, São Paulo, Letra e Voz, 2022, p. 137.

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33

Alex Von Tunzelmann, Fallen Idols: twelve statues that made history, New York, HarperCollins Publishers, 2021.

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34

Keila Grinberg et al., “Monumentos, conflitos e narrativas da história”, in Cristina Meneguello e Julio Bentivoglio (orgs.), Corpos e Pedras: estátuas, monumentalidade e história, Vitória, Editora Milfontes, 2022, p. 26.

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35

No Brasil, a “Lei de Crimes Ambientais” (Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) estabelece sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Nela, há uma seção específica que trata dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural e prevê, em seu art. 65, que “Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano. Pena- detenção, de três meses a um ano, e multa. Parágrafo 1º. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude de seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção e multa”. Por outro lado, não constitui crime ambiental a prática do grafite, que é tida como exemplo de arte urbana (street art).

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36

Valdei Araújo, Mateus Pereira e Mayra Marques, “Obsolescência e atualização de monumentos: derrubar estátuas e comemorar a história”, in Fábio Franzini e Luis Felipe Silvério Lima (orgs.), Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual, Vitória, Editora Milfontes, 2021, p. 60-61.

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37

Marcos Napolitano, “Ainda temos tempo para os heróis? O ‘bota-abaixo’ das estátuas e a crise do pacto histórico nas sociedades contemporâneas”, in Marcos Napolitano e Rosane Kaminski (orgs.), Monumentos, memória e violência, São Paulo, Letra e Voz, 2022, p. 94.

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38

Referência à letra da música “Mestre Sala dos Mares”, de Aldir Blanc e João Bosco, que faz uma homenagem ao “almirante negro” João Cândido e sua liderança em um dos movimentos sociais mais significativos da história do Brasil.

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39

Edward Colston (1636-1721) era sócio de empresa britânica responsável pela escravização de 84 mil africanos no século XVII. Mesmo antes de sua derrubada do pedestal, a população local de Bristol já havia solicitado ao governo a retirada do monumento da praça pública, sem ter obtido nenhuma resposta da municipalidade.

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40

George Floyd morreu por asfixia em 25 de maio de 2020, após um policial da cidade de Minneapolis, Derek Chauvin, ter ajoelhado sobre seu pescoço até sufocá-lo. O policial foi julgado e condenado à prisão.

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41

O movimento Vidas Negras Importam tem sua origem na comunidade afro-americana e foi fundado em 13 de julho de 2013 pelas ativistas Alicia Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi. O assassinato de Floyd viralizou nas redes sociais e plataformas digitais e, nesse contexto, a derrubada de estátuas foi uma reação a esse ato, adquirindo uma maior repercussão em vários países da Europa e, sobretudo, nos Estados Unidos, onde estátuas de Cristóvão Colombo tiveram suas cabeças decepadas.

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43

Evandro Prado, Desmonumento, São Paulo, Edição do autor, 2022 (catálogo da exposição homônima realizada no Centro Cultural São Paulo).

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44

Valdei Araújo, Mateus Pereira e Mayra Marques, “Obsolescência e atualização de monumentos: derrubar estátuas e comemorar a história”, in Fábio Franzini e Luis Felipe Silvério Lima (orgs.), Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual, Vitória, Editora Milfontes, 2021, p. 73.

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Conforme matéria na imprensa internacional: Um ano depois de ter sido derrubado, uma estátua do comerciante de escravos Edward Colston está sendo temporariamente exibida em um museu inglês. Naomi Rea, “A Year After It Was Toppled, a Statue of Slave Trader Edward Colston Is Being Temporarily Displayed in a English Museum”, Artnet News, 4 de junho de 2021.

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Akos Réthly, A La sombra de las botas de Stalin: guia de visita al Parque Memento, Budapeste, Private Planet, 2018.

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A Constituição Federal de 1988 estabelece, na seção referente à Cultura, que: “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (art. 215, parágrafo 1º) e “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (art. 216, caput).

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Maria Cecília Londres Fonseca, O Patrimônio em Processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil, Rio de Janeiro, Editora UFRJ/MinC-IPHAN, 1997, p. 162.

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Martha Campos Abreu e Lívia Nascimento Monteiro, “Patrimônios Afro-brasileiros”, in Aline Carvalho e Cristina Meneguello (orgs.), Dicionário Temático de Patrimônio: debates contemporâneos, Campinas, Editora da Unicamp, 2020, p. 241.

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Ricardo Oriá, “Memória e Ensino de História”, in Circe Bittencourt (org.), O Saber Histórico na sala de aula, São Paulo, Contexto, 1998.

Kátia Abud, “A ideia de São Paulo como formador do Brasil”, in Antonio Cels Ferreira, Tânia Regina de Luca e Zilda Grícoli Iokoi (orgs.), Encontros com a História: percursos históricos e historiográficos de São Paulo, São Paulo, UNESP, 1999.

Maurice Agulhon, Histoire Vagabonde, v. I: Etnologie et politique dans la France contemporaine, Paris, Galimard, 1988.

Valdei Araújo, Mateus Pereira e Mayra Marques, “Obsolescência e atualização de monumentos: derrubar estátuas e comemorar a história”, in Fábio Franzini e Luis Felipe Silvério Lima (orgs.), Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual, Vitória, Editora Milfontes, 2021.

Antonio Carlos do Amaral Azevedo, Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos, Editora Nova Fronteira, 1999.

Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil, 53ª ed., Brasília, Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018.

Cais do Valongo- Rio de Janeiro”, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. d.

José Murilo de Carvalho, A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil, São Paulo, Companhia das Letra, 1990.

Victor Correia, A censura e o vandalismo na arte, Lisboa, Página a Página-Divulgação do Livro S.A, 2019.

Renato Cymbalista (org.), Guia dos lugares difíceis de São Paulo, São Paulo, Annablume, 2019.

Keila Grinberg et al., “Monumentos, conflitos e narrativas da história”, in Cristina Meneguello e Julio Bentivoglio (orgs.), Corpos e Pedras: estátuas, monumentalidade e história, Vitória, Editora Milfontes, 2022.

Eric Hobsbawm, Nações e Nacionalismo desde 1780, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990.

Sérgio Buarque de Holanda, Caminhos e Fronteiras, São Paulo, Melhoramentos, 1957.

Silvia Hunold Lara, “Tiradentes e a nação esquartejada”, Pátria Amada Esquartejada, São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura. Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), 1992.

Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que “dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências”.

 

Lei nº 12.258, de 18 de novembro de 2011, que “Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República”.

Alcântara Machado, Vida e morte do Bandeirante, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2000.

Cristina Meneguello, “Patrimônios Difíceis (Sombrios)”, in Aline Carvalho e Cristina Meneguello (orgs.), Dicionário Temático de Patrimônio: debates contemporâneos, Campinas, Editora da Unicamp, 2020.

 

Cristina Meneguello e Julio Bentivoglio (orgs.), Corpos e Pedras: estátuas, monumentalidade e história, Vitória, Editora Milfontes, 2022.

Marcos Napolitano, “Ainda temos tempo para os heróis? O ‘bota-abaixo’ das estátuas e a crise do pacto histórico nas sociedades contemporâneas”, in Marcos Napolitano e Rosane Kaminski (orgs.), Monumentos, memória e violência, São Paulo, Letra e Voz, 2022.

 

Marcos Napolitano e Rosane Kaminski (orgs.), Monumentos, memória e violência, São Paulo, Letra e Voz, 2022.

Pierre Nora, “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”, História e Cultura, vol. 10, 1993.

Ricardo Oriá, “Memória e Ensino de História”, in Circe Bittencourt (org.), O Saber Histórico na sala de aula, São Paulo, Contexto, 1998.

 

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Ricardo Oriá, “O direito à memória como direito fundamental: uma contribuição ao estudo dos direitos humanos no Brasil contemporâneo”, in Sônia Meneses (org.), História, memória e direitos, São Paulo, Letra e Voz, 2019.

Evandro Prado, Desmonumento, São Paulo, Edição do autor, 2022 (catálogo da exposição homônima realizada no Centro Cultural São Paulo).

Projeto de Lei nº 5.923/2019, que “dispõe sobre a proibição de homenagens a proprietários de escravos, traficantes de escravos, pensadores que defenderam e legitimaram a escravidão em monumentos públicos, estátuas, totens, praças e bustos ou qualquer outro tipo de monumento”.

Akos Réthly, A La sombra de las botas de Stalin: guia de visita al Parque Memento, Budapeste, Private Planet, 2018.

Maria Eurydice de Barros Ribeiro, “Memória em Bronze- Estátua Equestre de D. Pedro I”, in Paulo Knauss (org.), Cidade Vaidosa: imagens urbanas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Sette Letras, 1999.

Aloïs Rieghl, O Culto moderno dos monumentos: sua essência e sua gênese, Goiânia, Editora da Universidade Católica de Goiás, 2006.

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Ynaê Lopes dos Santos, “Um pouco de navio negreiro”, Serrote: uma revista de ensaios, artes visuais, ideias e literatura, vol. 38, julho de 2021.

Rafael Dias Scarelli, “‘!Abajo el monumento a Colón!’: a estátua de Cristóvão Colombo em Lima (1860) e o ‘Dia de La Raza’”, in Marcos Napolitano e Rosane Kaminski (orgs.), Monumentos, memória e violência, São Paulo, Letra e Voz, 2022.

Lília Schwarcz, O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930), São Paulo, Companhia das Letras, 1993.

 

Lília Schwarcz, “Ser ou não ser patrimônio: bandeirantes e bandeiras e outros conjuntos escultóricos contestados”, in Miguel Bandeira Jerónimo e Walter Rosa (orgs.), Patrimónios Contestados, Lisboa, Edição Público, 2021.

Márcio Seligmann-Silva, “Antimonumentos: a memória possível após as catástrofes”, in Inês Prado Soares e Sandra Cureau (orgs.), Bens Culturais e Direitos Humanos, São Paulo, Edições SESC São Paulo, 2015.

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